sábado, 17 de março de 2012

Fraternidade, saúde pública e aborto (I)

Fraternidade, saúde pública e aborto (I)


A Quaresma iniciou no Brasil e esse ano a Igreja Católica propõe como tema da “Campanha da Fraternidade” o lema “a fraternidade e saúde pública”. O objetivo da Igreja é de incentivar a reflexão e a participação social dos seus fieis e dos homens de boa vontade na defesa e na promoção da vida humana no nosso País.
Um tema que pode suscitar reflexões nessa Campanha é certamente o aborto que, segundo altos funcionários do nosso Governo, é uma questão de “saúde pública”. De fato, assim afirmou recentemente a sra. Eleonora Menicucci, que tomou posse há poucos dias como ministra da das Mulheres. Além disso, foi noticiado no Diário da União em 4 de outubro de 2010 que o Ministério da Saúde havia prorrogado um convênio com a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, para estudar mudanças na legislação brasileira sobre o aborto. O projeto chamava-se “Estudo e Pesquisa – Despenalizar o Aborto no Brasil” e vem sendo feito desde 2007 [i].
Essas notícias dão a muitos a sensação de que o direito à vida no Brasil está com seus dias contados. Provavelmente, em breve, cada brasileiro que nascer deverá ser considerado um sobrevivente, pois ficará privado de direitos e da proteção legal na fase mais delicada da sua vida.
Podemos nos perguntar: Quais seriam os motivos que levam a algumas pessoas a assumir tão radicalmente um compromisso com a despenalização e promoção do aborto? Analisemos alguns desses aqui com o fim de colaborar com algumas reflexões sobre esse tema.
1) A vontade popular? Há quem diga que a despenalização do aborto no Brasil seria algo querido pelo nosso povo, de modo que poderia ser considerado como uma conquista democrática. Será realmente assim? Vejamos alguns dados: no dia 08/10/2010 o InstitutoDatafolha realizou uma pesquisa em todo o País sobre o tema [ii]. O resultado foi que 71% da nossa população pensa que a lei do aborto deve continuar como está. Em 1993 o índice de pessoas que diziam que a legislação deve continuar como estava era de 54%, em 1997 era de 55% e em 2006, 63%. Ou seja, quanto mais passa o tempo, mais o nosso povo se mostra contrário ao aborto, assim como ocorre em diversos países onde essa prática é legal. Há algum tempo atrás foi feita uma enquete na website do Senado Federal sobre o aborto dos anencéfalos. O resultado apontou que 61% se declara contrária a essa prática [iii]. O que tudo indica a rejeição ao aborto no nosso País cresce a cada ano num ritmo veloz e, infelizmente, com a mesma velocidade cresce o empenho de uma parte de nossos políticos em legaliza-lo.
2) Questão de saúde pública? Qual seria a base de tal afirmação? São as seguintes: a Federação Internacional de Planejamento familiar (IPPF) afirma que no Brasil existem cerca de 200.000 mulheres internadas todos os anos por complicações devidas ao aborto [iv], sendo o número de morte bastante elevado. De modo semelhante, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que na América Latina ocorrem anualmente 3.700.000 abortos ilegais e que 62.900 mulheres morrem em decorrência de complicações dos mesmos [v]. Além disso, na metade de fevereiro de 2012 tivemos a notícia de que o governo brasileiro foi questionado pela CEDAW (Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres), órgão da ONU, por causa de 200.000 mulheres que morrem a cada ano no nosso País devido a abortos ilegais [vi].
Mas são verdadeiros esses números? Em primeiro lugar devemos saber que essas instituições não possuem nenhum hospital no Brasil e nenhuma equipe que recolha dados estatísticos nos hospitais brasileiros e latino-americanos. Na verdade, os únicos dados científicos que temos são os dados do DATASUS, do Ministério da Saúde. Esses dados provêm de cada caso clínico, já que o médico que atende é obrigado a marcar num relatório diário cada procedimento que realiza. Os últimos dados divulgados por esse organismo no Brasil são os de 2010 e mostram que naquele ano houve 1.358 mortes no Brasil em mulheres em idade fértil durante a gravidez, parto ou aborto [vii]. Em relação ao aborto, foram 83 mortes. (Em 1996 foram 146 e em 2004 foram 156). A “ministra das Mulheres” naquela reunião da ONU disse que o aborto estava entre as 5 causas de mortes de mulheres no Brasil; notícia essa negada pelo ministro da Saúde, Sr. Alexandre Padilha, que estimou em 1.800 mulheres ao ano o número de mulheres mortas nessas circunstâncias [viii]. Evidentemente, como bem observou a dra. Lenise Garcia [ix], se fosse verdade que 200.000 mulheres morrem ao ano no Brasil e que essa é a quinta causa de mortes entre mulheres, isso significaria ao menos 1 milhão de mulheres morrem por ano no Brasil e nossa população estaria entrando em processo de extinção, algo totalmente absurdo, basta conferir os dados do último Censo nacional.
É interessante notar que esses números do Brasil seriam menos de 0,02% dos dados da ONU para a América Latina. Há quem diga que esses dados são subnotificados para evitar complicações legais, mas isso é uma mentira desavergonhada, pois nesses dados não se inclui a ficha clínica do paciente e nenhum dos seus dados é vinculado ao procedimento realizado. Tais informações são meramente estatísticas e não servem de provas legais contra nenhum paciente.
Além disso, se o aborto fosse considerado “questão de saúde pública”, como se a gravidez fosse uma doença a ser eliminada, isso traria mais problemas ao nosso País do que soluções. Vejamos bem:
a) Em primeiro lugar porque isso exigiria do Estado a assistência às mulheres que quisessem abortar. De modo que se o aborto deixasse de ser considerado crime e passasse a ser um “direito do cidadão”, consequentemente se tornaria também um “dever do Estado” [x]. Isso implicaria um evidente aumento no custo com a saúde pública e, ao mesmo tempo, um desrespeito à consciência dos agentes de saúde que seriam obrigados a praticar o aborto, mesmo os que são contrários a tal prática. A consequência é que o pessoal do serviço médico deveria escolher entre fazer uma violência às suas consciências (para não ter que perder o emprego e o prestigio profissional); ou uma violência contra tantos seres humanos indefesos. De modo que se o aborto fosse considerado, injustificadamente, “questão de saúde pública” todo esse pessoal que estuda para salvar vidas, seria obrigado a praticar técnicas que só produzem morte e sofrimento.
b) Outro problema que o aborto causaria ao nosso serviço público de saúde pode ser o que atualmente acontece na Espanha, onde o aborto desde 2010 entrou na pasta dos serviços do Sistema Nacional de Saúde, que garantiria o aborto livre, universal e gratuito, como um “direito da mulher”. O que ocorre lá é que os hospitais públicos não realizam abortos, para não ter que fazer uma lista de “objetores de consciência”, o que colocaria em risco o “direito da mulher” ao aborto. Então a solução encontrada na Espanha foi encaminhar as mulheres a chamadas “clínicas” privadas (não são verdadeiras “clínicas” porque não se cura ninguém nesses lugares), que realizam o aborto, às custas dos impostos pagos pelos seus cidadãos. O triste resultado dessa medida é que as diversas “comunidades autônomas” da Espanha têm agora uma imensa dívida para com essas “clínicas”, o que causou inclusive uma greve. A dívida atualmente é de 4,9 milhões de euros e o Estado sofre grande dificuldade para pagá-la, devido à crise econômica que sofre aquele País. Essa penosa notícia diz ainda que aquelas dívidas “ameaçam o direito do aborto livre e gratuito na Espanha” [xi]. Agora imaginemos o que poderia ocorrer no Brasil se o aborto fosse considerado uma “questão de saúde pública”? Aconteceria que, na prática, o dinheiro dos nossos impostos serviria a financiar essa prática brutal e subtrairia preciosos recursos do SUS, que há anos funciona de modo bastante precário.
Esses dados demonstram que o aborto não é causa de “saúde pública” e, por sua vez, causa diversos problemas ao sistema sanitário. De fato, considerar o aborto como “questão de saúde pública” só é possível quando se aceita dados falsos ou manipulados. Legalizar o aborto no Brasil seria algo que contraria à imensa vontade da nossa população e ameaça a efetiva participação democrática. Além disso, essa prática demonstra um desrespeito desastroso às consciências das pessoas e, na prática, não serve para reduzir o número de abortos, algo que pode levar à falência ou a uma ainda maior precariedade o nosso SUS.
Pe. Anderson Alves, doutorando em Filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.

[v] http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241546669_3_eng.pdf nesse link estão os dados da OMS sobre morte materna em decorrência de aborto “não seguro” (evidentemente o adjetivo “seguro” não se aplica às crianças, nesses casos). Os dados do Brasil estão juntos com os da América Latina (3.700.000 abortos “não seguros” anuais e 62.900 mortes maternas em decorrência dos mesmos).
[vi] Noticia da Globo, sobre Cedaw.
[x] Conferir o artigo de Joel Nunes sobre o tema: http://www.acidigital.com/noticia.php?id=20301

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